Evolução biológica e analogias
sociais e econômicas
Por Francisco Arruda Sampaio
Fonte: http://www.cefetsp.br/edu/eso/filosofia/arrudasampaioevolucao.html
(fonte: Correio da Cidadania - http://www.correiocidadania.com.br)
Há pouco mais de 150 anos, o naturalista inglês Charles Darwin formulou uma das teorias científicas que tiveram maior impacto sobre a noção que o homem tem de si próprio e do seu papel neste mundo: a teoria da evolução biológica.
Darwin se referia à evolução como "descendência com modificação". Em outras palavras, evolução são as mudanças que ocorrem, ao longo do tempo, nas diversas linhagens de seres vivos. É um conceito muito simples, porém com duas implicações importantíssimas: (1) que a diversidade das espécies que observamos hoje é o resultado da modificação, ao longo de muito tempo, de espécies que existiram anteriormente e, conseqüentemente, (2) que todos os organismos têm ancestrais comuns, em algum ponto do passado.
A teoria da evolução nos permitiu compreender a íntima relação da espécie humana com os demais seres vivos do nosso planeta: uma relação de parentesco e de interdependência.
Entretanto, como Stephen Jay Gould não cansa de apontar em seus ensaios, "de todos os conceitos fundamentais nas ciências da vida, a evolução é o mais importante e também o mais mal compreendido." As deturpações mais graves são as que aliam as idéias de "progresso" e "finalidade" ao conceito de evolução. Ou seja, a idéia de que a evolução leva ao progresso: do simples ao complexo, do pequeno ao grande, do macaco ao homem...
Segundo esta visão, a finalidade do processo evolutivo é produzir seres melhores (chamados de "seres superiores" ou "mais evoluídos"), que se sobrepõem aos "seres piores" (chamados de "inferiores" ou "menos evoluídos"). Essa seria a ordem natural das coisas. Um exemplo típico é a ilustração da "evolução humana" que coloca uma série de macacos caminhando em direção ao homem. Uma seqüência deste tipo poderia ser:
gibão >>> orangotango >>> gorila >>> chipanzé >>> homem
Na realidade, a idéia de progresso e finalidade da evolução não têm qualquer fundamento científico. A evolução depende de dois fatores fundamentais: da variação entre os indivíduos e da seleção natural.
As "fontes" de variabilidade" (os mecanismos que dão origem a novas características) são processos aleatórios, imprevisíveis. As pressões do ambiente (clima, competição, predadores etc.) são fatores que mudam com o tempo e essas mudanças também são imprevisíveis. A seleção natural favorece o sucesso reprodutivo dos indivíduos mais adaptados ao seu ambiente no "momento da seleção". Não é possível imaginar que a seleção natural "escolha" os melhores indivíduos para condições futuras.
Outro aspecto importante é que todas as linhagens estão sob ação da seleção natural a todo momento, portanto todas as espécies estão evoluindo ao mesmo tempo, mas totalmente independentes umas das outras.
Novas espécies se formam quando populações de uma espécie ("espécie mãe") se isolam. O isolamento faz com que cada qual passe a ter uma história evolutiva própria. Com o tempo, as diferenças acumuladas entre as populações podem ser suficientemente grandes ao ponto de impedir que indivíduos de populações diferentes consigam cruzar ou gerar descendentes férteis. Cada linhagem passa a ser uma nova espécie. Uma determinada espécie não é "melhor" nem "mais evoluída" que a sua "espécie irmã", ela é apenas diferente.
Assim como os galhos de uma árvore frondosa se originaram de um ramo primordial, a diversidade dos seres vivos se originou da ramificação de linhagens evolutivas. A maneira correta, portanto, de se representar a evolução da espécie humana deve considerar as relações de parentesco entre as linhagens mais próximas a ela. O esquema abaixo mostra a relação de parentesco entre o homem e alguns de seus parentes mais próximos.
O primeiro esquema indica uma seqüência em que os macacos, conforme evoluem, ficam cada vez mais parecidos ao homem.
O segundo esquema, por sua vez, mostra algo totalmente diferente: cada espécie evoluiu em uma direção diferente, apesar de terem ancestrais comuns. Não há progresso, não há finalidade!
Mas se não existe fundamentação científica nas idéias de progresso evolutivo e finalidade evolutiva, então qual é a origem desses conceitos? Essas idéias surgiram de preconceitos sociais e raciais profundos. Afinal, como explicar a dominação e a exploração de um povo por outro? A raça "superior" ou "mais evoluída" teria o direito natural de explorar as raças "inferiores", assim como o homem tem o direito natural de explorar os outros seres vivos que, afinal, também são "inferiores" a ele. A estratificação social e a exploração de classes também teriam uma "justificativa científica", pois seria natural, e para o bem da espécie, favorecer os "melhores" em detrimento dos "piores", com o objetivo de "melhorar" a espécie humana.
O neoliberalismo e a globalização são a face moderna e dissimulada dessa visão de mundo. Afinal, o que propõem?
- Deixem nossas empresas competirem com as estrangeiras e que sobrevivam as "melhores", só assim teremos uma economia "mais adiantada", "mais evoluída".
- O desemprego é um "fenômeno natural" que atinge as pessoas que não se "adaptaram" à nova realidade!
- Não há o que fazer contra o desemprego, afinal, se as empresas não demitirem, não terão condições de competir no mercado globalizado.
Os pensadores neoliberais que usem outras analogias para justificar as desigualdades e injustiças que resultam de suas políticas econômicas. Evolução biológica nada tem a ver com evolução social e econômica. As mais recentes pesquisas demonstram claramente que as diferenças genéticas entre grupos humanos são tão pequenas que não é possível aplicar o termo "raça" para diferenciá-las. A evolução cultural segue regras completamente diferentes da evolução biológica. O homem pode optar com base na ética, com base em valores, de acordo com sua vontade e sua cultura. Essa liberdade é o nosso maior patrimônio. A desigualdade não é inexorável!
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